sexta-feira, 13 de maio de 2011

Crônica de uma tragédia anunciada

Bia saiu toda linda para trabalhar. Era um dia raro. Estava com mais saco para se arrumar do que de costume, pois quase todas as manhãs ela se fazia a mesma pergunta: "Por que eu tenho que me produzir toda para passar o dia sentada em frente a um computador e ao lado de pessoas nem um pouco interessantes?"

Foi uma manhã como tantas outras. Bia acordou com o ódio tradicional de todos os dias em que acorda antes das 10 horas. Dentes escovados, desodorante, perfume, protetor solar, óculos escuros bem grandes para cobrir o sono e lá se foi. Recebeu pedidos de textos, pautas, ligações, ordens... Finalmente era meio-dia. Voou para casa para ter uma horinha de paz e recuperar um pouco do sono infinito que ela carrega desde que nasceu. Bia dorme como um obeso que come desesperadamente. Sente um prazer indescritível em poder posicionar seu corpo na horizontal, enrolar-se e cair nos braços de Orpheu.

Para variar um pouco, acordou em cima da hora para voltar à labuta. Só deu tempo mesmo de escovar os dentes e lavar o rosto. Ao chegar ao trabalho, a preguiça ainda era mais forte que a vontade de ganhar dinheiro. E por mais que ela ame o que faz e não se imagine trabalhando com outra coisa, todo início de tarde é aquela luta. Bia olha para o relógio de cinco em cinco segundos enquanto enrola para consertar a cara ainda amassada.

Lá para as três e meia, Bia finalmente cria vergonha, lembra que já não tem mais 20 anos e que sua beleza precisa de ajuda. Bia é bonita. Para alguns, linda. Ela já é mais realista e acha que precisa sempre de uma mãozinha de cosmético para se sentir segura e confiante de que faz jus ao que tanto falam por aí.

No banheiro do escritório, ela repara as olheiras com corretivo, passa pó, blush e, especialmente naquele dia, uma boa camada de rímel. Linda e loira, ela volta ao seu posto e retoma o "tec tec" do teclado.

O dia acaba. Bia arruma suas coisas para ir embora com a rapidez de uma lebre. Vê que o elevador está chegando ao seu andar e entra afoita. A porta abre e ela dá de cara com um ex-paquera de uns 11 anos atrás. Como se passou muito tempo e Bia não tem o menor jeito para cumprimentar conhecidos, finge que não reconhece e entra calada. Era o Renato, um cara com o qual Bia cometeu as maiores loucuras que uma adolescente de 16 anos é capaz. Entre elas, beijá-lo à força para fazer ciúme ao melhor amigo dele por quem ela era perdidamente apaixonada. Um cara magrelo, cheio de acne e que cantava numa banda de pagode. Pois é. Não queira entender.

O tempo passou e Bia deixou de ser aquela menina miúda e magrela. Era uma mulher 10 Kg mais gostosa, com curvas e estava devidamente arrumada e maquiada como uma ocasião daquelas pede. Renato não mudou muito, mas já dava para enxergar nele um homem de seus 32 anos e com aquela barriguinha básica. Bia estava se sentindo acima de tudo e de todos.

Os dois estavam sós naquele espaço minúsculo e cercado de espelhos, e Bia não sabia para onde olhar. Só conseguia torcer para que ele não a reconhecesse. Em milésimos de segundo, quando Bia pensou que ia escapar daquele momento constrangedor, o moçoilo diz:

- Beatriz?

Ela, com uma naturalidade fingida, olha fixamente para o rosto dele por um tempo considerável, e como se tentasse reconhecer, retruca:

- Renato?
- É!
- Oi! Tudo bom? - Bia dá um beijo no rosto do rapaz, seguido de um abraço superficial.
- Quanto tempo!
- Pois é! Você também trabalha aqui no prédio?
- Trabalho sim.
- Nossa, que coincidência... - Finaliza ela, rezando para a porta abrir novamente.

Quando Bia já estava feliz por lembrar que eles só tinham apenas um andar para descer juntos e aquela agonia de não saber onde enfiar as mãos ia acabar, Renato proferiu a pergunta clássica e cretina:

- E aí? Já casou?

"Que merda!", pensa Bia. "Até esse cara já está querendo me deixar noiada?" Mas como ela tem resposta para tudo sempre na ponta da língua, responde com deboche e uma certa estranheza:

- Eu não! Não quero pensar nisso tão cedo. E você?
- Já estou namorando há seis anos. Vamos ver, né...

"Ufa!", pensou Bia, que além de se sentir linda ainda demonstrou seu desprezo pela instituição a qual é forçada a fazer parte a todo custo.

Despediram-se rápida e superficialmente e pegaram seu rumo. Toda cheia de si, Bia entra no carro com o sorriso de missão cumprida no rosto e se olha no espelho para conferir o visual. Ao abaixar o retrovisor em sua direção, lá estava ela! Branca, grande, redonda e brilhante! Uma remela enorme no canto interno do seu olho esquerdo.

- Puta que pariu!

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